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A Lei nº 12.592/2012 e a regulamentação da profissão de cabeleireiro e afins: uma lei inútil e uma boa oportunidade desperdiçada.

http://jus.com.br/revista/texto/21450

Publicado em 04/2012

A nova lei que dispõe sobre o exercício das atividades profissionais de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador é inútil, pois regula o que não precisa e silencia sobre as questões realmente importantes.

Introdução.

Promulgada em 18 de janeiro de 2012, publicada no dia seguinte e com vigência imediata, a Lei 12.592/2012 dispõe sobre o exercício das atividades profissionais de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador.

A singela lei conta com apenas seis artigos, sendo que dois foram vetados (arts. 2º e 3º) e um dispõe apenas sobre a sua vigência (art. 6º).

Assim, na prática sobram apenas três artigos para tratar do assunto. Desses, um apenas trata da criação do ?Dia Nacional do Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador, a ser comemorado em todo o País, a cada ano, no dia e mês coincidente com a data da promulgação desta Lei? (art. 5º). 

Para tratar da referida atividade profissional - que, afinal, é o objetivo daquela lei -restaram, então, apenas dois artigos, que abaixo se transcreve:

Art. 1º  É reconhecido, em todo o território nacional, o exercício das atividades profissionais de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador, nos termos desta Lei. 

Parágrafo único.  Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador são profissionais que exercem atividades de higiene e embelezamento capilar, estético, facial e corporal dos indivíduos. 

Art. 4º  Os profissionais de que trata esta Lei deverão obedecer às normas sanitárias, efetuando a esterilização de materiais e utensílios utilizados no atendimento a seus clientes. 

A referida lei é inútil. Perdeu-se uma grande oportunidade de regulamentar de verdade profissões tão importantes.

I - Da inutilidade da lei em comento.

Sem dúvida que a presente lei não terá nenhuma utilidade prática. Além disso, ela não atende aos anseios do setor.

É inacreditável como o Congresso Nacional consome tempo e dinheiro para aprovar uma lei inócua sem fomentar a discussão que realmente importa em torno da questão. Como tantas outras, por não servir para nada, essa lei vai cair no esquecimento.

Os dois artigos da lei em comento que se propuseram a tratar da questão, nada acrescentam no ordenamento jurídico.

O artigo 1º apenas traz o reconhecimento da profissão e a sua definição. Tal dispositivo é inútil, na medida em que tais profissões não são atividades técnicas (haja vista a razão do veto dos arts. 2º e 3º). Não havia necessidade de lei para o reconhecimento de tais profissões, eis que já reconhecidas pelo costume - que é fonte do direito. São profissões tão antigas que já existiam na antiguidade e em culturas milenares como a chinesa, a japonesa e a indiana, para citar as mais conhecidas. Reconhecer o óbvio é desnecessário.

O art. 2º, então, é pior. Ele estabelece normas a serem seguidas sem cominação de pena ou sanção. Além do mais, em tempos de AIDS e outras doenças epidêmicas, é o próprio cliente que busca segurança, exigindo do prestador de serviço que atenda às normas sanitárias, com higiene e a esterilização dos equipamentos. Hoje, o profissional dessa área que não atende a essas exigências está fadado ao insucesso, pois perderá os clientes para a concorrência.

II - As peculiaridades da profissão.

A profissão de Cabeleireiro, bem como as de Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador, tem características próprias e particulares. Várias situações jurídicas são criadas nas relações de tais profissionais.

Temos o cabeleireiro que é profissional liberal: ele trabalha normalmente sozinho, às vezes com um ou dois ajudantes, mas basicamente é ele quem cuida diretamente de seus clientes. Nos termos do art. 966, § único do Código Civil, ele não é considerado empresário.

Temos também aquele profissional que é dono de um grande salão, onde ele conta com a colaboração de diversos profissionais: atendente, caixa, ajudante, copeira, faxineira, cabeleireiros, depiladores, maquiadores. Ele já não cuida diretamente dos seus clientes, apenas dirige o negócio. Esse é considerado empresário, conforme art. 966 do Código Civil.

E temos, ainda, os profissionais que são empregados, pois em razão da natureza do serviço, subordinado, que presta ao seu empregador, tem-se caracterizada a relação de emprego, nos moldes do art. 3º e 2º da CLT.

Nada disso foi tratado na referida lei.

III - O recorrente problema da parceria e o serviço autônomo que aflige o setor.

A questão que mais acarreta problemas e traz insegurança para o setor é a dos profissionais autônomos que prestam serviços em salões alheios.

É prática bastante comum no meio, um salão de cabeleireiro ceder espaço para um outro profissional (manicure ou depiladora, por exemplo) exercer seu mister.  Esse profissional tem seus clientes próprios que ali serão atendidos e outros que são clientes do salão. Como praxe, o valor do serviço é dividido em percentual previamente definido entre o profissional e o dono do salão.

Não raro, todavia, são os casos em que essa parceria vai parar na justiça do trabalho, em discussão que envolve a relação de emprego.

A jurisprudência majoritária tem fixado entendimento de que em tais casos, não há vínculo de emprego. Confira-se:

MANICURE. RELAÇÃO DE EMPREGO. INOCORRÊNCIA. Não configura vínculo empregatício a parceria comum nos salões de beleza, ainda que informal, semelhante aos contratos de capital e trabalho, em que o titular do negócio oferece a estrutura física e o ponto comercial e o prestador de serviços participa com o seu labor, dividindo-se entre ambos os ganhos obtidos. (TRT 22ª região, Ac. 2040200800422007 PI 02040-2008-004-22-00-7, Relator: ARNALDO BOSON PAES, Data de Julgamento: 29/06/2009, PRIMEIRA TURMA).

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO. RELAÇÃO DE EMPREGO. MANICURE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. O trabalho prestado por manicure em salão de beleza, em conjunto com outros profissionais autônomos, mediante o recebimento de 50% do preço pago pelos clientes dos seus serviços, não caracteriza relação de emprego com o proprietário do estabelecimento, considerando as peculiaridades da atividade a demonstrar trabalho em regime de colaboração mútua. Recurso provido. (...) (TRT 4ª região, AC. 1212004820095040025 RS 0121200-48.2009.5.04.0025, Relator: WILSON CARVALHO DIAS, Data de Julgamento: 04/08/2011).

RELAÇÃO DE EMPREGO. MANICURE. INEXISTÊNCIA. A práxis apreendida nas Cortes Trabalhistas tem demonstrado que, para certas categorias profissionais, é muito tênue a linha que separa o profissional autônomo do empregado. O problema gerado pela miscelânea de feições não é privativo do Direito do Trabalho. Outras esferas do direito padecem do mesmo mal, tendo, cada uma, método próprio à separação das categorias. Para a Justiça do Trabalho, o elemento definidor da existência de relação de emprego é a presença de subordinação jurídica entre as partes, o que não se verificou. Vantajoso à reclamante laborar como manicure nas condições propostas pela reclamada. Assinou contrato de locação, não infirmado por qualquer prova, pelo qual percebia 50% sobre cada um dos serviços realizados. Comprovada nos autos a condição de profissional autônoma, impossível o acolhimento do pleito inicial. (TRT da 10ª Região, RO-00617- 2008-009-10-00-3, 3ª Turma, Relatora Des. Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro, DJU de 7/11/2008). Recurso conhecido e provido. (TRT 10ª região, Ac. 887200800410002 DF 00887-2008-004-10-00-2, Relator: Juíza Elke Doris Just, Data de Julgamento: 04/02/2009, 3ª Turma).

VÍNCULO DE EMPREGO. MANICURE. A atividade realizada em sistema de colaboração configura sociedade de fato para a realização de serviços em estética, sem sujeição a horário ou qualquer tipo de subordinação. Ausentes os requisitos do artigo 3º da CLT, inviável o reconhecimento de vínculo de emprego. (...) (TRT 4ª região, Ac. 4235420105040007 RS 0000423-54.2010.5.04.0007, Relator: VANIA MATTOS, Data de Julgamento: 16/06/2011).

MANICURE. AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS FÁTICOS-JURÍDICOS DA RELAÇAO EMPREGATÍCIA. O vínculo empregatício somente se caracteriza quando comprovados todos os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT. Ausente qualquer dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, o pacto havido entre as partes, muito embora caracterize-se relação de trabalho "lato sensu", não pode ser objeto da tutela do direito laboral. Destarte, não faz jus à recorrente às verbas rescisórias, porquanto não reconhecido o vínculo empregatício, antecedente lógico daquelas. (TRT 14ª região, Ac. 80720090041400 RO 00807.2009.004.14.00, Relator: DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO GOMES LÔBO, Data de Julgamento: 29/10/2009, SEGUNDA TURMA).

A inclinação da jurisprudência reflete uma situação que se tornou comum nesse tipo de relação jurídica, própria do setor. É uma relação peculiar, que foge dos estreitos limites traçados pela CLT sobre a relação de emprego. 

Tivesse o legislador o cuidado de regulamentar essa situação, a lei em comento poderia ser saldada como uma novidade importante. Perdeu-se uma boa oportunidade de regulamentar a questão.

Conclusão.

Como dito desde o início - afirmado no próprio título - a Lei 12.592/2012 é uma lei inútil. Ela dispõe sobre o que não precisa e silencia sobre as questões realmente importantes.

É uma lei fadada a cair no esquecimento. O único dispositivo que vai realmente ser lembrado é o art. 6º, que institui o Dia Nacional do Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador.

É muito pouco.

Autor
  • Advogado em São Caetano do Sul (SP). Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem.

 

FONTE:  NBR 6023:2002 ABNT

SALES, Fernando Augusto de Vita Borges de. A Lei nº 12.592/2012 e a regulamentação da profissão de cabeleireiro e afins: uma lei inútil e uma boa oportunidade desperdiçada.. Jus Navigandi, Teresina, ano 17n. 32005 abr. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21450>. Acesso em: 10 abr. 2012.

PESQUISA: BRENO GREEN KOFF